Hipnótico, raro. Porem inútil



E quando o mesmo autofalante roto diz na voz de Chico Buarque “cale-se”, continuamos com nosso ruído, preocupados unicamente com o cálice particular que temos que entornar a cada dia.


Pessoas tomam o ônibus, motociclistas avançam o sinal, ambulantes vendem frutas, panos de prato, produtos importados... Nada de incomum. Exceto pelo som da guitarra que ecoa no espaço aberto do estacionamento. Raro o som e a guitarra. O som que não vinha do caos das vozes metropolitanas ou a moderna música sem sentido que ecoa em todo lugar. Rara a guitarra em uma cidade onde o sertanejo universitário representa a juventude. Mais raro ainda o espaço aberto, em uma metŕopole onde os prédios dominam cada centímetro quadrado do chão (e céu).

O som das guitarras provém de um autofalante roto, porém de nitidez sonora, que revela a canção “Que país é este” em uma versão de garagem gravada pela própria Legião Urbana, onde Renato Russo acrescenta várias músicas incidentais, enquanto repete os infindáveis famosos “três acordes” em um cadência suja e hipnótica. Uma destas incidências é “A gente somos inútil”, do Ultraje à Rigor. Mas a som é um contexto. E tudo isso realmente não importa.
A música acabou, os pedestres atravessaram na faixa, os ônibus partiram e os ambulantes fazem o seu serviço. A guitarra que me chamou atenção, também passou. O que me deixou com o sensação de que infelizmente parecia ser esta a consciência politica de nosso país: tudo passa. E ninguém está nem aí pra isso. Uma voz gravada incitava o ódio contra o projeto de lei 4.330, que trata da terceirização trabalhista, parece apenas um ruído. E no cenário urbano, um ruído é só mais um ruído, e não o ouvimos por estarmos ocupados demais com novas vozes interiores, com o nosso “meu mundo”. A preocupação primária vem sempre do eu minúsculo, interior e manipulado pelo Eu do Estado.

E quando o mesmo autofalante roto diz na voz de Chico Buarque “cale-se”, continuamos com nosso ruído, preocupados unicamente com o calice particular que temos que entornar a cada dia.

E como tudo passou em um interminável continuum, eu também passei. Mas uma voz rouca que ninguém pareceu entender, disse em uma cadência hipnótica algo que mostrou o fiel retrato de cada pessoa que por ali passou. Somente esta revelação ficou em um ad eternum, ecoando nas avenidas de minha mente, pois dizia-me sobre todo o povo brasileiro. E dizia: “A gente não sabemos tomar conta da gente; A gente não sabemos escolher presidente; a gente não sabemos tomar conta da gente; a gente não sabemos nem escovar os dentes. Inútil. A gente somos Inútil. Inútil, a gente somos inútil”.

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